A crise dos alimentos

 Mexendo aqui em antigos arquivos no computador, reencontrei um texto do qual não sei a autoria, mas tenho certeza que quem o escreveu ficará contente em ver sua ideia passada adiante. 

A crise dos alimentos

Denomina-se ‘Revolução Verde’ o conjunto de práticas agrícolas adotadas a partir da década de 60, quando se passou a adubar a terra com compostos químicos e a utilizar pesticidas que exterminam muitas das formas de vida que entram em contato com as lavouras, desregulando, assim, os ecossistemas e interferindo negativamente na dinâmica climática. O reflexo de tais modificações torna-se visível nas freqüentes quebras de safra agrícola, que contribuem para o agravamento da crise dos alimentos. A Revolução Verde acentuou a nossa ignorância em relação à flora endêmica da América, nos induzindo a classificar como ‘erva-daninha’ várias espécies nativas de plantas medicinais e comestíveis, cujos benefícios desconhecemos porque desprezamos a riqueza contida nas culturas indígenas.
Outro aspecto que retarda o desenvolvimento sustentável da agricultura brasileira e gera concentração de riqueza é a existência das imensas monoculturas. Na maioria das vezes, estas gigantescas áreas de terras pertencem a uma única família ou empresa, à qual se destina praticamente todo o lucro da produção de espécies exógenas. Indiferentes ao contexto ambiental, ofertamos o território brasileiro a qualquer empresário interessado em explorar nossos recursos naturais e humanos. Em contrapartida, o empresário deve apenas compensar com míseros salários mínimos os trabalhadores rurais responsáveis pela produção, além de destinar à nação um pequeno percentual sobre o lucro gerado nas lavouras. Incompreensivelmente, o Estado permite que empresários remetam ao exterior não só a matéria-prima cultivada em solo brasileiro, mas também os lucros aqui obtidos, ao passo que uma multidão de campesinos se vê obrigada a superlotar as periferias metropolitanas, gerando aumento da miséria e da conseqüente violência urbana.
Uma das principais críticas dos organismos internacionais em relação à política territorial brasileira refere-se ao descaso com que tratamos a Amazônia, devastando a floresta para criar gado e produzir biocombustíveis. De nada adianta berrar que outros países poluem mais do que nós, se não nos responsabilizamos pelo ambiente onde vivemos. No sul do Brasil, onde 60% do bioma Pampa já se desfigurou, os governos locais comemoram toda vez que alguma empresa anuncia que plantará monoculturas de pinus e eucalipto na região, feito a Aracruz Celulose, que há pouco tempo atrás divulgou a realização de investimentos em torno de cinco bilhões de reais no Rio Grande do Sul. Transnacionais agrícolas do porte da Aracruz possuem milhões de dólares para vincular sua publicidade à grande mídia, nos narrando uma realidade fantasiosa na qual elas supostamente são imprescindíveis ao nosso crescimento econômico, quando, no entanto, elas utilizam o território brasileiro, levam embora o lucro e a produção, e nos deixam somente míseros trocados. Se não bastasse, o Governo ainda concede incentivos fiscais para que as empresas nossos recursos naturais e humanos.
A reestruturação territorial não deve limitar-se simplesmente à redução ou ao aumento de alíquotas fiscais, pois impostos são sempre repassados pelas empresas aos consumidores. Mesmo que o Governo e os meios de comunicação afirmem que a nossa Economia encontra-se em intenso crescimento, o cotidiano do cidadão brasileiro permanece inalterado, visto que o conceito de desenvolvimento econômico comumente utilizado considera relevante apenas o lucro obtido pelas empresas. Sob esta perspectiva, caracterizamo-nos, sim, como um país em espetacular ascensão. No entanto, não se pode desprezar que este gigantesco lucro obtido sobre os brasileiros é mensalmente enviado à matriz de tais empresas no exterior, desenvolvendo a Economia de outros países. Nosso tão comemorado crescimento econômico é apenas aparente: o lucro aqui gerado não circula dentro do Brasil.
Um dos meios de reverter este fluxo contínuo que leva embora o nosso capital é criando-se cooperativas de trabalhadores, pois, dessa maneira, o lucro aqui gerado circulará nas camadas sociais economicamente desfavorecidas, constituídas pela maioria do povo brasileiro. Ademais, é dever do Estado destinar áreas de terras para a criação de corredores ecológicos, interligando, assim, as matas ciliares, sem os quais a natureza não ressurgirá organicamente. Um modo interessante de realizar tal ação seria entregar a posse destas terras aos indígenas que historicamente nelas viveram. Não há nenhum cidadão melhor capacitado para revitalizar o ambiente brasileiro do que os indígenas que evoluíram através de relações simbióticas com o meio natural americano. De nada adianta disponibilizarmos um orçamento anual na ordem de milhões de reais para a manutenção da estrutura institucional da FUNAI, a Fundação Nacional do Índio, se o único benefício por ela concebido aos indígenas, além de assistência médica  da qual o SUS poderia encarregar-se, é o desenvolvimento de teses antropológicas que não interferem construtivamente no cotidiano ameríndio. Bem que poderíamos extinguir a FUNAI e repassar seu orçamento diretamente aos caciques das aldeias, para que, com assistência técnica da EMBRAPA, os indígenas criem cooperativas de industrialização de produtos derivados de espécies endêmicas da América. Equivocadamente, a política indigenista brasileira considera sustentabilidade sinônimo de vender artesanato em beiras de estrada e nas calçadas das metrópoles. Esquecemo-nos de que sustentabilidade significa produzir seu próprio sustento, mantendo relações saudáveis com o ambiente.
Os Kaingang, por exemplo, cuja tradicional dieta alimentar baseia-se no pinhão, poderiam perfeitamente revitalizar a Floresta com Araucárias, gerindo corredores ecológicos no Planalto Meridional e industrializando, através de cooperativas, alimentos processados a partir do pinhão, como pães, massas, doces, salgados... Semelhantemente, os Guarani possuem aptidão natural para revitalizar a Mata Atlântica, em decorrência de que sua cultura desenvolveu-se mantendo intrínsecas relações vitais com este bioma.
Não há momento mais propício que o atual, em meio à crescente crise dos alimentos, para intervirmos construtivamente no cenário agrário brasileiro. O meio ambiente clama por atenção: resta menos de um décimo da área original de Mata Atlântica, e as matas ciliares estão sendo substituídas por monoculturas de soja transgênica. As áreas de Floresta com Araucárias vêm também se reduzindo consideravelmente, assim como as de diversos outros ecossistemas brasileiros. Vale ressaltar que, plantando-se soja na área anteriormente ocupada por uma araucária, produz-se então uma quantidade seis vezes menor de proteínas, do que se houvéssemos colhido pinhões. Do mesmo modo, são inúmeras as variedades de plantas nativas que poderíamos cultivar em sistemas agroflorestais, associadas com outras espécies de fauna e flora, contribuindo, assim, para regular o clima e proteger a biodiversidade.

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